Adelino Timóteo

Dos frutos do amor

Tudo que sei dizer-te é que és
nua:
E lenta a flor, como o Sol, eis
que de múltiplas formas te
desabrochas em mim: as tuas
mãos de vidro, lentas, os teus
lábios húmidos, quentes, à forma
como me beijam.
Caída chegas-me pelo corpo,
pela alma. És lenta, e nua
explodes, como uma mina
aberta à memória. És alta como
pólen, a doce lentidão como me
chegas, vagarosa pela boca, a
vocação com que o fazes: lenta
no beijo, até ao tutano, lenta às
carícias, até às trompas de faló-
pio. Tua a lentidão uma fonte
de água, sem rumor, incessante.
Tua a vertigem, repetitiva
como me chegas, quente, suave,
febril
Adelino Timóteo In Dos Frutos do Amor e Desamores até à Partida, 2011

Desamores até à Partida

Eras lenta, amorosa, para lá do limite da paciência. Como uma sinfonia dos oboés, ritual me acariciavas que não te fartavas, delicada que me alongavas os bornais, firme a saliva pela língua. Como uma sinfonia de Handel. Se os amassavas em blandícia de uma amorosa silvestre, pelo teu amor ancorei-me ao futuro e a minha alma inquieta e revolta rejubila-se de alegria. Como uma asa em peos, dissona. Em noites como esta teu corpo era todo o foguetão, a gosto, antes de os levares em cruzada à garganta. Era à varanda deles que repousava o teu cansaço. Aquele amor cândido. Aquelas amoras dóceis. Tanto que te amando, se me convertes numa árvore onde eu sou um réptil que a sobe tronco e ramo, numa impulsão ao que se me ocorre sempre: aos frutos do amor, a amora sobre a língua vagarosa, ao anel de rubi cinzelado entre as pernas, dedo e unha. Era só uma lembrança, pois então quebraram-se as asas e nenhum de nós os dois voa. E o silêncio se me interpela. Já não é. E sempre era de noite quando volvia aos teus prumos. E a pergunta com que o silêncio se me interpela se cristalizará com o tempo. Eis mais este presente dilacerado que nos sobrou. Delicada a chuva sobre a celha dos rostos até à partida.

 Adelino Timóteo In Dos Frutos do Amor e Desamores até à Partida, 2011